Quando o velho
rico Naabot leu a carta que lhe havia chegado naquela tarde, deu um grande suspiro...
- Ah, a família!
Quem escrevia era o seu primo, avisando-lhe de sua próxima visita. Zabulão,
filho de Dibão… - Sua memória o inspirava ao mesmo tempo pena e certa aversão. Os
dois, de famílias acomodadas em Israel, haviam sido muito próximos, quando jovens.
Passado os anos, Naabot, empreendedor e incansável comerciante, converteu-se em
um dos homens mais rios de Jerussalém. Zabulão, pelo contrário, viu seus negócios
rodando em uma trágica serie de desgraças, e pelo que se sabia, estava agora à
beira da mais completa ruina.
Contudo,
depois de anos de separação, sentia curiosidade por vê-lo de novo, por isso
marcou um encontro em sua casa de campo, a pouco mais de 6 milhas ao sul de Jerusalém.
O sol se pôs
atrás das colinas arenosas, naquela tarde de dezembro, quando os primos se
reuniram. O contraste entre os dois era chocante. Naabot era uma figura
encarnada da sorte. Alegre, gordo e exalava caros perfumes, vestia uma túnica
de seda persa, e vistosos anéis brilhavam em quase todos os seus dedos. Pelo contrário,
o grisalho Zabulão, personificação do fracasso e da pobreza. Seu rosto estava
marcado por uma contínua e silenciosa resignação. Seu corpo esquálido estava
coberto por uma túnica tão rasgada, que não poderia se adivinhar a cor original.
Quem o visse, não poderia crer que um dia fora um homem de muitas posses. Compadecido,
Naabot o convidou para jantar, convite humildemente aceito pelo outro.
Durante o
jantar, que o pobre compreensivelmente devorava com avidez, falaram sobre o
passado, lembrando da infância e da juventude de ambos. Certo momento, Naabot
declarou ao primo seu modo de ver as coisas.
- Veja,
Zabulão, eu respeito profundamente ao Deus de Abraão, mas deixemos o Todo-Poderoso
em seu templo, que é bastante grande. Aqui, sobretudo no comércio, devemos
utilizar da astucia e todos os meios que estão ao nosso alcance, para obter êxito
e riqueza. E dizia isto contorcia as mãos, como que agarrando um punhado de
imaginárias moedas diante dele.
O primo pobre, homem piedoso, não era de acordo com
este ponto de vista materialista de Naabot, e também discutiram a respeito por
um bom tempo durante a noite. Entretanto se respeitavam, entre os dois havia
uma profunda divergência na forma de ver a vida. Por ultimo, vendo que não chegariam
a nenhuma conclusão, Naabot interrompeu a conversa e disse:
- “Bem, vamos ser sinceros. Não terá sido para
discutir filosofia, nem para lembrar o passado, que o meu bom primo decidiu vir
visitar-me. Assim, diga-me, Zabulão, tens algo que eu possa te ajudar?”
- “Sim!” – disse o infeliz, curvando a cabeça – “Necessito
tua ajuda. Mas não venho pedir dinheiro, somente propor um trato”.
- “Que negócio?” – perguntou curioso o comerciante
- “Como deves saber, tudo o que eu tinha, perdi. Tudo,
salvo apenas um pequeno pedaço de terra, o resto de uma granja, que em outros
tempos era grande, não muito longe daqui. Acreditas que podes comprar este
terreno?” – Naabot deu uma gargalhada.
- “Sim, posso comprá-lo? Meu querido Zabulão,
atrevo-me dizer, sem exagerar e nem com arrogância, que tenho dinheiro para
comprar qualquer coisa em Jerusalém, exceto o Templo e o palácio do governador,
porque, evidentemente, não estão à venda. Escuta, se por acaso o sítio valer
mais do que o que estou pensando em oferecer-te, entrego-te os meus anéis”. – E balançava
ligeiramente as mãos, fazendo brilhar os diamantes e safiras. – “Disse-me que não
está longe? Então, peguemos dois cavalos e alguns homens e vamos ver esta
terra. Assim, esta noite te pagarei, para que os fariseus não digam que não ajudei
a um familiar necessitado.
E assim foi. Era uma noite maravilhosamente
estrelada, bonita e clara. E como Zabulão havia dito, o lugar estava próximo. Mas,
ao chegar ali, viram a uma certa distância, ao lado da colina, algumas
silhuetas de homens, camelos e cavalos.
- “Oh, uma caravana! Teu terreno é ocupado pelos
beduínos, Zabulão. Vai custar mais dinheiro para eu tira-los dali. Vamos ver,
mais de perto, quantos são”.
No entanto, ao aproximar-se, Naabot observou
preciosos adornos nos camelos e, surpreendido, murmurou:
- “Por Elias, não são beduínos, são homens ricos,
talvez até sejam nobres. Que fazem aqui?” – cheios de curiosidade, os dois
judeus e seus guardas aproximaram-se cada vez mais, sem prestar atenção aos
integrantes da caravana, nem estes neles. De repente, apareceram os três chefes
deste grupo desconhecido. Os três israelitas estavam atônitos. Não era
simplesmente nobres, pelas coroas que portavam, eram reis! Tão ricos e suntuosos,
que Naabot sentiu-se como sua suposta fortuna reduzia-se a ponto de parecer
insignificante.
Não haviam percebido, mas aos pés do monte havia
uma pequena e pobre gruta, para onde os enigmáticos reis se dirigiram. Vendo o
céu, Zabulão se deu conta que a noite estava clara, não tanto pelas estrelas,
mas sim por uma em particular, que superava a todos pelo seu brilho. Esta parecia
assentar-se suavemente na colina.
No interior da gruta se encontravam, entre um boi e
uma mula, um home com sua jovem esposa, que tinha em seus braços um
recém-nascido que sorria. Era algo fantástico, porque deste Menino parecia
irradiar uma luz misteriosa, mas tênue, que envolvia a gruta e a todos os
presentes. Então os reis, um por vez, inclinaram-se em adoração diante do
Menino, tocaram o solo com sua testa e ofereceram-lhe magníficos presentes. Mais
tarde, começaram a chegar pastores da região e de toda redondeza, ficaram em
respeito e admirado silêncio ante o extraordinário Menino.
Depois de ficar um tem naquela serena e bela
atmosfera, Naabot e seu grupo deram-se conta que era o momento de partir. Fazendo
um ultima reverência, saíram sem fazer ruído e caminharam em silêncio. Naabot rompeu
o silêncio, e despojando-se, um por um, dos seus preciosos anéis, entregou-os a
seu primo enquanto dizia:
- “Cumpro o que disse. Pegue, Zabulão. És o pobre
mais rico que existe. Estes anéis são somente uma migalha. Teu terreno, com sua
gruta, não tem preço. Não há ouro em todo Império Romano que possa pagar aquele
vale”.
Um dos guardas, ousando dirigir-lhe a palavra,
perguntou ao seu amo:
- “Meu Senhor, Naabot, nos há chegado um novo
profeta?”
Os primos entreolharam-se e Zabulão respondeu:
- “Não, meu filho. Diante de nós se cumpriu séculos
e séculos de profecias… Esta noite, o Messias nasceu em Israel”.
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